Antes rompido com a Igreja Católica, Cícero Romão Batista, santo popular conhecido como padre Cícero, está prestes a se tornar beato. O processo está em andamento desde o ano passado, quando foi autorizado pelo Papa Francisco.
Desde 2022, quando foi iniciado o processo de beatificação, a diocese de Crato, no interior do Ceará, coleta dados e escritos de padre Cícero, de pessoas que conviveram com ele e de outras que ouviram testemunhos. O objetivo é provar que ele realizou milagres. Os relatos são vários, principalmente de pessoas que se dizem curadas por intervenção de padre Cícero.
De acordo com o padre Wesley Barros, vice-postulador da beatificação, o trabalho da comissão histórica é o de reunir os escritos e compor a ordem cronológica dos acontecimentos relacionados à história do padre Cícero. O trabalho vai ser apresentado ao Vaticano, que vai aprovar ou não a beatificação conforme a defesa elaborada no Brasil.
“Esse trabalho está bem adiantado. Nós constituímos as comissões em novembro e a partir de janeiro tivemos reuniões mais constantes com a coleta dos escritos do Padre Cícero. Nós pedimos às pessoas que enviassem os escritos porque novos documentos devem ser reunidos para essa fase. Recebemos de várias famílias cópias de documentos que padre Cícero escreveu e assinou. São itens autênticos. É um trabalho mais dedicado de agora em diante.”
Para o processo de beatificação, quase 100 testemunhas serão ouvidas pelo tribunal diocesano. Está sendo intensificado também o trabalho de escuta de romeiros. Pelo menos cinco pessoas de cada estado nordestino serão ouvidas. Também serão ouvidos padres e bispos que convivem com as romarias de Juazeiro do Norte, consideradas fruto do patrimônio espiritual e pastoral do Padre Cícero.
À espera do milagre
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Subida ao horto reúne milhares de fiéis para pedir bênçãos aos pés da estátua de padre Cícero — Foto: Lanio Silva/Arquivo pessoal
Os depoimentos de pessoas que tiveram graças alcançadas atribuídas à intercessão do padre Cícero estão sendo recolhidos. Através deles pode sair o possível milagre que vai servir de estudo para a segunda etapa da beatificação, o reconhecimento do milagre.
“Quem tem uma graça alcançada pela intercessão do servo de Deus, que traga esse relato. Estamos agora com o intuito de ir ao encontro a essas pessoas, escutar melhor como foram esses acontecimentos, obter toda a documentação necessária. Tem que ter uma documentação antes e uma posterior à graça alcançada. Para ver se isso se encaixa com os critérios exigidos para o reconhecimento dos milagres”, reforça o vice-postulador.
Ainda de acordo com as comissões católicas, muitos relatos de graças alcançadas já chegaram à igreja e algumas delas podem ser significantes para o processo de beatificação. O milagre, por exemplo, pode ser relacionado a uma doença grave que não teria mais cura de acordo com a medicina.
É preciso um diagnóstico da gravidade e da incurabilidade da doença. Depois desse primeiro passo, a pessoa deve também ter realizado uma prece ao Padre Cícero: a chamada promessa. E, por último, que ela tenha tido uma melhora repentina, inexplicada pelos médicos. Inclusive com o diagnóstico dizendo que não houve uma explicação científica para justificar a cura.
Esses são os três elementos que vão chamar a atenção do tribunal diocesano para que essas pessoas sejam ouvidas e seja instaurado um inquérito para o processo da beatificação como um possível milagre. O vice-postulador também afirma que existem cerca de três casos sendo estudados.
“Mesmo que ainda estejamos no inquérito sobre as virtudes heroicas, a qualquer momento que chegar uma graça alcançada de grande significado, nós já vamos instaurar ali um inquérito em torno daquela graça para que a gente possa fazer andar a fase diocesana para a beatificação de Padre Cícero.”
Somente após a conclusão da fase diocesana sobre as virtudes heroicas é que começa a etapa do milagre.
Nação romeira
Padre Cícero morreu rompido com a Igreja Católica, que interpretou que ele havia se desviado dos dogmas cristãos quando ocorreu o "milagre da hóstia". Conforme crenças populares, a uma hóstia se tornou sangue quando Cícero a pôs na boca de uma beata. Independentemente de ser conciliado ou não com o Vaticano, ele foi considerado santo popular, ou seja, era adorado por católicos e obrou milagres.
O agricultor Júnior José da Silva, de 29 anos, é um dos cerca de 2,5 milhões de romeiros que visitam anualmente a cidade de Juazeiro do Norte. São pessoas que moram longe do Ceará, principalmente em outros estados do Nordeste, geografia que ganhou o apelido de Nação Romeira.
Júnior conta que, em meados de 2013, passou por vários problemas de saúde. Teve que passar por duas cirurgias. Foram três meses no hospital. E a família foi informada de que, após complicações cirúrgicas, ele não resistiria a mais uma cirurgia. A solução para eles foi um ato de fé: pedir a intercessão do Padre Cícero e esperar por um milagre. Os familiares acreditam que ele se realizou. Júnior teve uma recuperação inexplicada pelos médicos.
“Foi um momento muito difícil na vida da gente. O médico disse que não tinha jeito. Que se ele escapasse da cirurgia, ele ficaria de seis meses a um ano no hospital. Foi feito um exame e ele tava todo infeccionado por dentro. Dias depois quando a gente fez os exames novamente não tinha mais nada. O médico olhou pra mim e falou pra mim que se existe milagre, aquele foi um”, relata a irmã Maria Gorete da Silva.
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